Brazilian National Archives, Public domain, via Wikimedia Commons
Rita Lee nunca foi de fugir do que assusta. Durante toda a vida, encarou tabus, desafinou convenções e, em Rita Lee: Outra Autobiografia, não foi diferente. O que mais me impressiona nesse livro é como Rita, sem cerimônias, pede pela morte. Pede, não teme. Isso é fascinante. Enquanto muitos de nós corremos dela, ela fala do fim da vida com uma tranquilidade rara. Como se a morte fosse um velho conhecido, alguém com quem ela já tinha marcado um encontro.
Uma das passagens que mais me tocou é quando ela escreve: “Se eu soubesse que morrer era isso, teria pedido para sair mais cedo.” De forma simples e direta, Rita nos joga na cara essa reflexão. A morte, para ela, não era um bicho de sete cabeças, mas sim uma libertação, o ponto final natural de quem viveu intensamente cada palavra, cada nota, cada respiro.
É curioso como ela trata o próprio fim. A impressão que dá é que ela já estava pronta para o seu velório antes mesmo de morrer. E isso me pegou. Como fã de Rita, sempre admirei sua autenticidade. E essa autenticidade se mostra até no jeito que ela encara o próprio fim. Para muitos, a morte é a tragédia final, o momento de pânico. Para Rita, parece ter sido uma espécie de alívio.
Em outra passagem do livro, ela solta mais uma pérola: “De tudo, o que eu mais queria era deixar esse corpo cansado. As coisas aqui já não me interessam tanto.” Ao ler isso, é impossível não sentir uma mistura de admiração e tristeza. Admirar a coragem de aceitar que o corpo chega ao limite, e se entristecer porque a Rita, com toda sua energia e genialidade, estava pronta para dizer adeus.
No fundo, ela estava nos dizendo que sua missão estava cumprida. Que a vida, para ela, já não trazia mais novidades. Quando penso nisso, lembro de um trecho do livro em que ela diz: “Não tenho medo de morrer, tenho medo de não viver o suficiente.” E é essa frase que resume bem o que foi a trajetória de Rita. Ela não tinha medo de nada — nem de viver, nem de morrer. Ela só temia passar pela vida sem se jogar de cabeça.
Ler Rita Lee: Outra Autobiografia é mergulhar na mente de uma artista que sempre soube quando era a hora de parar. Ela nunca arrastou nada além do que devia. Nem sua carreira, nem suas decisões, nem sua própria vida. E o mais incrível é que, mesmo falando de sua própria morte, Rita mantém o humor ácido, a franqueza cortante e a leveza que sempre a caracterizaram.
É por isso que Rita Lee é uma das minhas artistas favoritas. Não só pela música, que é parte fundamental da minha formação, mas pelo jeito com que ela olhava para o mundo — e, nesse caso, para o fim dele. Ela nos ensinou a viver sem medo. E, mais do que isso, nos ensinou que o maior medo talvez não seja morrer, mas sim não viver plenamente.
Ler este livro me trouxe uma sensação de paz, algo quase libertador. Ver que alguém que eu admiro tanto estava em paz com o fim de sua jornada me faz pensar que, talvez, a morte seja só mais um capítulo dessa grande aventura. Rita, mais uma vez, nos deixa lições — e dessa vez, sobre o que significa estar pronto para ir.
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