Machado de Assis é, sem dúvida, um dos grandes nomes da literatura brasileira. E se tem uma coisa que ele faz bem, é criar personagens cheios de nuances e ironias. Em Memórias Póstumas de Brás Cubas, lançado em 1881, ele nos apresenta um narrador bastante peculiar: um morto que resolve contar a história da sua vida – ou melhor, da sua morte. Esse livro marca uma virada na carreira de Machado, trazendo um tom mais irônico e reflexivo.
Mas, se você já leu outras obras do autor, provavelmente percebeu que muitos dos temas e tipos de personagens se conectam. Vamos ver como Brás Cubas dialoga com outros personagens da vasta galeria machadiana?
1. Brás Cubas e Bento Santiago (Dom Casmurro)
Brás Cubas e Bento Santiago, de Dom Casmurro (1899), são figuras que têm bastante em comum. Ambos fazem parte da elite carioca, são cheios de si e, de certo modo, um tanto cegos para as suas próprias falhas. A grande sacada é que tanto Brás quanto Bento são narradores nada confiáveis – eles contam as histórias do jeito que lhes convém. Brás, por exemplo, narra tudo já morto, enquanto Bento reconstrói seu passado tentando justificar suas obsessões, especialmente em relação a Capitu.
A ironia? Quanto mais eles falam, mais deixam transparecer o egoísmo e a fragilidade de suas personalidades. Os dois questionam a confiança que podemos depositar em quem conta a história, deixando o leitor sempre com um pé atrás.
2. Brás Cubas e o Conselheiro Aires (Esaú e Jacó e Memorial de Aires)
Outro personagem que faz eco a Brás Cubas é o Conselheiro Aires, que protagoniza Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Aires, assim como Brás, também tem uma visão cínica e distanciada do mundo, mas o tom dele é um pouco mais tranquilo. Enquanto Brás é mais mordaz e crítico, Aires parece mais sábio e resignado, aceitando melhor as imperfeições humanas.
Ambos, no entanto, compartilham essa sensação de desencanto com a vida, cada um à sua maneira, o que cria um diálogo interessante entre os dois personagens.
3. Brás Cubas e Quincas Borba
A intertextualidade mais evidente é com Quincas Borba (1891). Afinal, Quincas Borba aparece em Memórias Póstumas de Brás Cubas e depois ganha seu próprio romance. Ele, assim como Brás, tem uma visão filosófica e meio maluca da vida. A famosa frase “Ao vencedor, as batatas” vem da sua teoria do Humanitismo, que, com um humor ácido e uma lógica absurda, reforça o tom niilista presente nas obras de Machado.
Lições para escritores
Memórias Póstumas de Brás Cubas não é apenas uma leitura deliciosa; ela também oferece muitas lições para jovens escritores. Aqui estão algumas:
• Narradores não confiáveis podem ser fascinantes: Machado brinca com a confiança do leitor. Brás Cubas é um narrador claramente enviesado e irônico. Essa técnica permite uma camada extra de profundidade, pois o leitor é forçado a questionar o que lê e interpretar as entrelinhas. Para escritores, essa é uma ótima lição sobre como manipular a perspectiva para enriquecer a narrativa.
• Ironia como ferramenta poderosa: A ironia é o coração deste romance. Brás Cubas faz reflexões profundas, mas sempre com um toque de humor ácido. A ironia é uma maneira inteligente de abordar temas sérios sem parecer pedante, algo que jovens escritores podem aplicar ao tratar de questões complexas em seus próprios textos.
• Personagens com falhas são mais reais: Brás Cubas não é um herói; longe disso. Ele é egoísta, narcisista e falho. E é justamente por isso que ele é tão interessante. Machado de Assis nos mostra que personagens imperfeitos refletem melhor a complexidade humana e são mais envolventes para o leitor.
• Explorar diferentes tempos narrativos: Machado de Assis fez algo inovador ao usar um narrador que fala do além. Brás Cubas está fora do tempo convencional, o que lhe dá liberdade para comentar sobre a vida de maneira única. Jovens escritores podem aprender com essa ousadia estrutural, experimentando com o tempo e a forma de narrar suas histórias.
Conclusão
A intertextualidade em Machado de Assis é muito mais que simples referências ou reaparições de personagens. É um convite para refletirmos sobre a condição humana, a moralidade e as falhas que nos tornam tão… humanos. Ao ler Memórias Póstumas de Brás Cubas junto com outras obras como Dom Casmurro, Quincas Borba e os livros com o Conselheiro Aires, vemos como Machado cria uma verdadeira teia de ideias e reflexões que se complementam.
Esse trecho adiciona uma reflexão prática sobre como jovens escritores podem se inspirar em Brás Cubas para suas próprias criações.
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