Olá, sou Alberto Lung, escritor. Este é meu blog

Além disso, sou um sentinela em noites insones.

Autor de la Margarita.


O Tribunal como Palco: Justiça ou Espetáculo?

Imagem produzida por ChatGPT, ao meu pedido.

Em O Sol Nasce Para Todos, o julgamento de Tom Robinson é o centro nervoso da trama. Ali, em pleno tribunal, as tensões raciais de Maycomb são escancaradas. Mas, em vez de ser um espaço de justiça, o tribunal se transforma em um teatro — o palco perfeito para a sociedade exibir seus preconceitos de maneira pública, com plateia e tudo.

Logo de cara, a disposição do tribunal já entrega o jogo. Os brancos lá embaixo, nos melhores assentos. Os negros, sempre à margem, relegados à galeria superior, como quando Scout comenta: “nós sentamos com os negros, como dissera o Reverend Sykes” (To Kill a Mockingbird, Cap. 16). É simbólico. As divisões sociais de Maycomb estão desenhadas no espaço físico — os negros assistindo de cima, como espectadores de uma tragédia anunciada.

Só que o tribunal não é sobre a verdade. A culpa de Tom Robinson já está definida antes mesmo de o julgamento começar. Como Atticus deixa claro: “Tom Robinson é um homem negro que sentiu pena de uma mulher branca” (To Kill a Mockingbird, Cap. 19). E essa combinação, naquele contexto, é sentença de morte. A palavra dele simplesmente não tem peso algum.

O julgamento se desenrola como um espetáculo. Cada personagem desempenha seu papel: o promotor agressivo, o juiz aparentemente imparcial, o júri branco. Tudo ali é previsível, uma coreografia de preconceitos já conhecidos. O tribunal deveria ser o lugar onde os fatos importam, mas, em Maycomb, o que conta mesmo é a cor da pele. E Atticus, bem-intencionado e brilhante, tenta quebrar esse ciclo. Ele apela para o senso de justiça, afirmando que “esta corte é tão igualitária quanto possível” (To Kill a Mockingbird, Cap. 20). Mas, no fundo, até ele sabe que está lutando contra um sistema que prefere manter as coisas como estão.

O ponto alto desse teatro acontece quando Atticus desmascara as acusações de Mayella Ewell. Fica claro que Tom Robinson é inocente. Mas, como Scout observa com certa tristeza: “parecia que o tribunal inteiro tinha respirado fundo e estava esperando o resultado inevitável” (To Kill a Mockingbird, Cap. 21). O veredito, antes de ser anunciado, já era conhecido por todos — inclusive por nós, leitores. Sabemos que, para Tom, não haveria justiça, só um fim já escrito.

Harper Lee é cirúrgica ao nos mostrar o tribunal como uma metáfora da sociedade racista. O que deveria ser um espaço de verdade e justiça vira apenas mais um palco onde os preconceitos são legitimados. Atticus tenta, com sua oratória impecável, mudar esse roteiro, mas como ele mesmo diz: “quando tudo está dito e feito, somos todos preconceituosos em um grau ou outro” (To Kill a Mockingbird, Cap. 20). E o tribunal, que deveria ser cego, tem olhos bem abertos para a cor da pele.

No fim das contas, o julgamento de Tom Robinson é mais uma confirmação de que, em Maycomb, o espetáculo da injustiça sempre vence. O tribunal, mais do que uma arena de justiça, é um espelho da sociedade. E a verdade? Bem, essa acaba ficando de fora da peça..


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